terça-feira, 3 de julho de 2012

Bairro Solidão


Um belo dia surgiu uma casa num Bairro chamado Solidão. Nessa casa havia três habitantes, dois deles eram duas moças baixinhas. Uma se chamava Preguiça e a outra se chamava Angústia. O terceiro habitante era um rapaz muito alto e forte chamado Orgulho.
A Preguiça e a Angústia, embora quase nunca andassem juntas, eram boas colegas. Porém Orgulho era extremamente altivo e nunca se aproximava de ninguém, nem mesmo de suas colegas de casa.
A Preguiça, sempre na dela, passava maior parte do dia dormindo, alheia ao que acontecia ao seu redor. Quase nunca se atentava ao que lhe diziam e, por causa dessas suas atitudes, passava muitas horas se alimentando de tempo livre. Consequentemente Preguiça começou a engordar muito.
A Angústia era a menor de todos na casa. Quase anã. Muito tímida e deprimida andava pelos cantos da casa chorosa. O motivo para sua tristeza é que quando ela era mais nova  alguém lhe disse que no dia que ela conhecesse o Amor seus problemas se resolveriam. Por conta disso, a Angústia sonhava dia e noite quando iria conhecer o Amor.
Ela mantinha, bem guardado no seu âmago, uma série de coisas que diria ao Amor quando o conhecesse. Pensava como seria seu encontro com ele, como se portariam um na presença do outro e como sua tristeza iria embora.
E, embora a Angústia tentasse esconder sua espera pelo Amor, todos na casa sabiam desse sentimento da Angústia, e cada um lidava com ele de forma diferente. A Preguiça vivia dizendo para a Angústia largar a mão de ser boba e ir deitar-se com ela ao sol. Também dizia que esperar por alguém que ela não conhecia e nem sabia se realmente existia era loucura e que dava muito trabalho.
A Angústia às vezes deitava-se com Preguiça ao sol, mas sua cabeça estava longe pensando como reagiria se um dia o Amor batesse na porta da frente da sua casa.
E o Orgulho, sempre distante, fresco demais, tratava a Angústia como lixo. Dizia que nunca deixaria ninguém se aproximar da casa dele.
Um detalhe importante é que o único habitante da casa que mantinha relações externas era o Orgulho. Infelizmente, por causa do seu jeito arrogante de agir, eles sempre iam embora. Pela casa já passaram Amigos, com os quais o Orgulho brigou devido ao seu ego, Parentes, os quais ele expulsou de casa porque achava que não precisava mais deles, e qualquer um que tentasse se aproximar dele.
Uma vez, os Amigos foram visitar o Orgulho e, ao perceberem a Preguiça deitava com sua enorme figura relaxada ao Sol e a Angústia baixinha encostada na parede tentando se esconder, tentaram animar as duas mocinhas e trazê-las para roda aonde se encontravam Amigos e o Orgulho. E mais uma vez o Orgulho afastou-os de suas colegas de casa e expulsou os Amigos de lá. Eles nunca mais voltaram a se ver.
Os anos foram passando e a Angústia cresceu um pouco, tornou-se uma mocinha bem maior do que era e às vezes aparecia na janela, mas sua figura assustava os outros que passavam pela rua do Bairro Solidão. Seu aspecto abatido, olheiras profundas devido às noites em claro chorando pela visita do Amor que nunca vinha, não eram agradáveis de ver.
O Orgulho também ficou maior e mais forte com o passar dos anos. E arranjou uma companheira que era tão presunçosa quanto ele. O nome dela era Vaidade. Uma moça linda, com excelente porte. Andava impecavelmente arrumada e sempre que podia admirava sua bela aparência em qualquer objeto que refletisse sua imagem. A Vaidade também se relacionava com suas colegas: a Luxúria, a Inveja e a Maldade. Nem sempre estavam juntas, porque às vezes a Vaidade não gostava da presença dessas três.
E quando as quatro estavam juntas, faziam com que a Vaidade se sentisse mal e, às vezes, não tão bela quanto ela realmente era. Embora a Luxúria, a Inveja e a Maldade nunca visitassem a casa no Bairro Solidão, elas influenciavam a Vaidade que às vezes aparecia por lá para dar o ar da graça.
O Orgulho e a Vaidade não andavam juntos no começo, mas quando estavam juntos eram insuportáveis ao ponto de afastar as pessoas que passavam pela calçada da casa.
E por fim a Preguiça, que foi a que mais sofreu com as ações do tempo. Ela engordou demais. Não conseguia se mover para fazer nada e sempre precisava de ajuda. O Orgulho, como sempre, se afastou deixando-a de lado. Sendo assim, sobrava para a Angústia que sempre estava cuidando da colega e passava mais tempo com a Preguiça.
Mais um tempo se passou e o Orgulho e Vaidade começaram a passar muito mais tempo juntos. Tanto que ela se mudou para a casa no Bairro Solidão. Logo de primeira já se percebia que as três moças não tinham nada em comum. A Preguiça e a Vaidade brigavam por espaço. A Angústia e a Vaidade brigavam porque a segunda achava errado esperar pelo Amor.
O Orgulho nunca participava dessas brigas. Ele achava que não poderia perder tempo com os outros. Passava o dia malhando e triplicando de tamanho.
Até que um dia o Amor apareceu na porta da casa do Bairro Solidão. Ele entrou pela porta da frente e viu a Preguiça, muito grande, deitada no sofá. Essa, por sua vez, não lhe deu atenção para evitar a fadiga.
O Amor começou a andar pela casa, à procura da Angústia, que estava escondida em seu quarto chorando. O Amor encontrou a Vaidade e o Orgulho e lhes disse que procurava a Angústia para acabar com seu sofrimento.
A Vaidade olhou-se de cima a baixo e disse ao Orgulho que achava que ele não merecia entrar na casa. Comentou, de forma clara, que ele não era suficientemente lindo, rico e altivo para estar perto dela. O Orgulho, extremamente forte, concordou e expulsou o Amor da casa.
O Amor ainda relutou para sair e do lado de fora gritava pela Angústia, mas o Orgulho era tão grande e tão forte que tapava a vista das janelas e a Angústia achava que estava apenas fantasiando que ouvia o Amor, já que nada via quando olhava para fora.
E então, o Amor foi embora e nunca mais voltou. Algum tempo depois ele parou em outra casa em outro bairro aonde foi muito bem recebido.
Enquanto isso o tempo foi passando na casa do Bairro Solidão, a Vaidade cansou-se e foi embora, a preguiça ocupava muito espaço e o Orgulho, assim como as estruturas da casa, começou a se despedaçar porque nunca mais teve companhia nenhuma.
A Angústia por outro lado, cresceu bastante. Não podia mais ser chamada de baixinha pelos outros habitantes da casa. Ela, por sua vez, cuidava de tudo dentro da casa.
E o Orgulho, não tão mais forte e grande quanto antes, deixou que a Sabedoria viesse morar com eles. A Sabedoria fez com que a Preguiça emagrecesse um pouco e a Angústia se alegrasse. Deu-lhes livros para lerem, filmes para assistirem, levava as duas moças ao Teatro, cinema e museus.
Ensinou as moças a fazerem artesanato, praticavam esportes e dança.
Sabedoria, com o tempo, foi reinando na casa e a Angústia, embora ainda sonhasse com a chegada do Amor, sentia-se mais confortável na presença da Sabedoria. O Orgulho não mais podia bater de frente com a Sabedoria porque sabia que sempre iria perder. Às vezes ele tentava entrar em contato com a Vaidade que, mesmo depois de todos os anos que se passaram, continuava linda, mas a moça dizia que ele estava velho demais para ela.
E, como o tempo é inimigo de tudo e todos, ele passou pela casa do Bairro Solidão. O Orgulho tinha ficado tão fraco que morreu. A Preguiça quase não se mexia mais. A Sabedoria foi ficando fraca também. E a Angústia, por sua vez, mantinha-se como podia na casa que não parecia mais uma casa. Estava mais para um barraco esburacado que uma casa. As paredes caiam aos pedaços, as portas mal se abriam e as janelas não tinham mais vidros para protegê-los.
Até que um dia a casa não aguentou mais e cedeu. A Sabedoria foi embora um pouco antes da casa desabar. A Angústia e a Preguiça ficaram lá dentro e se foram junto com a casa.
No Bairro Solidão, outros terrenos encontravam-se vazios, uns com casas novinhas e uns com casas velhas. E embora o bairro levasse esse nome triste, ele nunca estava inabitado. Todos os dias surgiam novas casas com diferentes habitantes. E embora esses habitantes fossem vizinhos, nunca conseguiam formar uma comunidade porque sempre havia atritos entre um ou mais morador de cada casa.
Algumas casas do Bairro Solidão tinham a sorte de mudar-se para outros Bairros: Sucesso, Felicidade ou Alegria. E outras, mudavam-se para os Bairros das Dores, das Saudades ou do Medo.
Enfim, aqui termina uma breve estória que retrata exatamente o que acontece em diversos bairros em todos os lugares.